gostei. do texto.


Poesias e Crónicas
Mário Prata
[adaptado daqui]

(...) Só que agora, surgiu um outro tipo de casamento. O casamento de letras. Letras de textos. O texto - finalmente, digo eu, escritor - virou casamenteiro. Apaixona-se, hoje em dia, pelo texto. Via internet. Via cabo, literalmente.
Claro que me refiro aos encontros via Internet. Começa no chat, com o texto. Gostou do texto, leva para o reservado. E lá, rola.
Eu mesmo já me envolvi perdidamente por dois textos belíssimos. Moças de vírgulas acentuadas, exclamações sensuais e risos de entortar qualquer coração letrado ou iletrado.
Sim, pela primeira vez nesta nossa humanidade já tão velhinha, as pessoas conhecem-se primeiramente pela palavra escrita. E lida, é claro.
Já disse, isso envaidece qualquer escritor. Agora, o texto pode levar ao amor. Uma espécie de amor-de-texto, amor-de-perdição.
A relação, o namoro, começa ali no monitor. Você pode passar algumas horas, dias e até semanas sem saber nada da outra pessoa. Só conhece o texto dela.
E é com o texto que se vai fazendo charme. Você ainda não sabe se a pessoa é bonita ou feia, gorda ou magra, jovem ou velha. E, se não for esperto, nem se é homem ou mulher. Mas vai crescendo uma coisa dentro de você. Algo parecidíssimo com amor. Pelo texto.
Pouco a pouco, você vai conhecendo os detalhes da pessoa. Idade, uma foto, a profissão, a cor. Inclusive onde mora. Sim, porque às vezes você está levando o maior lero com o texto amado e descobre que ele vem lá da Venezuela. Ou do Arroio Chuí.
Mas se o texto for bom mesmo, se ele te encanta de facto e impressiona, você vai em frente. Mesmo olhando para aquela fotografia - que deve ser a melhor que ela tinha para scanear (ou seria sacanear, perdoando o trocadilho fácil) você vai em frente.
"Uma pessoa com um texto desses..."
Tudo isso o bom texto supera.
Quando eu ouvia um pai ou mãe dizendo "meu filho fica horas na Internet", todo preocupado, eu também ficava. Até que, por força do meu actual trabalho, comecei a navegar pela dita cuja.
E descobri, muito feliz da vida, que nunca uma geração leu e escreveu tanto na vida. Se ele fica seis horas por dia ali, ou está lendo ou escrevendo. E mais, conhecendo pessoas. E amando essas pessoas.
Jamais, em tempo algum, o brasileiro escreveu tanto. E se comunicou tanto. E leu tanto. E amou tanto.
No caso do amor ali nascido, a feitura, o peso, a cor, a idade ou a nacionalidade não importam. O que é mais importante é o texto. O texto é a causa do amor.
Quando comecei a escrever um livro pela internet, muitos colegas jornalistas me entrevistavam perguntando qual era o futuro da literatura pela Internet.
Há quatro meses atrás eu não sabia responder a essa pergunta. Hoje eu sei e tenho certeza do que penso: - Essa geração vai dar muitos e muitos escritores. E muita gente se vai apaixonar pelo texto e no texto.
Existe coisa melhor para um escritor do que concluir uma crônica com isso? Pessoas que há pouco tempo atrás odiavam escrever redacções nas escolas, estão descobrindo o texto. Leiam e digam se eu não estou certo.
E são jovens, muito jovens.
Como diria Shakespeare, palavras, palavras, palavras. Como diria Pelé, love, love, love.

Comentários

MariaTuché disse…
Critina cada vez que por aqui passo gosto mais e mais e mais...a minha história mais recente está escrita neste teu texto, pois é eu apaixone-me assim exactamente como descreves mas tb sofri o maior desgosto que já alguma vez alguém me fez sentir...mas a vida continua!!mais 1 vez parabens pela excelente escolha musical. U2(banda da minha vida)
Vir ler o vosso blog tem sido uma excelente terapia.
wind disse…
Boa escolha que fizeste. Concordo que é boa a paixão pela escrira, agora que uma pessoa se apaixone por quem escreve não concordo, embora isso aconteça. beijos
LM disse…
Está tudo neste texto!
Beijos
Cristina disse…
tuché

:)) fico mesmo muito feliz que de algum modo te faça sentir um pouco melhor, esta história é que não encaixou muito bem....ups.

mas quanto a isso ja te deixei lá umas palavrinhas...há milhões de pessoas e ao contrário do que às vezes nos parece a maioria tem coisas boas...é só encontrá-las ;)

vem sempre que te apeteça e espero não te desiludir ;)

beijocas
Cristina disse…
wind

acontece pois, os amores e as amizades, como cá fora, há pessoas que não nos tocam, e há outras com quem sentimos uma empatia quase imediata...afinal, quem está do outro lado, alguma coisa de si há-de por de si no que escreve...para o bem e para o mal.

jinhos
Cristina disse…
Lm

ou quse :))

beijocas, bom resto de semana
maloud disse…
E depois a moderna solidão fica mitigada por estes encontros, estas empatias, estas solidariedades...
Alien8 disse…
O texto será a causa do amor, sim. Mas não é pelo texto que as pessoas se apaixonam, é mesmo por quem o escreve - rectifico, por quem imaginam que o escreve. Não é nada de novo, quanto ao essencial da forma de comunicação, considerando os namoros e casamentos por correspondência de há tempos atrás. Mas a rapidez, a simultaneidade e o conteúdo são já totalmente diferentes. A quantidade de informação é enorme, chega mesmo a ser compulsivo informar, atenta a forma agressiva dos pedidos de informação, como no caso das pessoas que nos cumprimentam com um "asl". Há amizades e amores da net que não resistem ao primeiro encontro, e são a maioria. Outras perduram, talvez porque tenha havido mais sinceridade nas conversas, talvez porque do encontro resultou uma certa química.
Ler livros continua a ser indispensável. Os jovens, pelo menos em Portugal, lêem muito pouco, mas estou convencido de que a internet está a proporcionar uma publicidade muito grande ao livro, ao mesmo tempo que leva jovens e adultos a ler e escrever mais e mais, e até a inventar novas formas de escrita, sobretudo de escrita coloquial.
Cristina disse…
maloud

é verdade, apesar de tudo a comunicação é sempre salutar, seja qual for o registo ;) as pessoas voltaram a estar acompanhadas, a net tb é uma boa gestora de solidões..

beijos
Cristina disse…
alien

eu achei interessante falar-se na reactivação da escrita, é verdade que se não fosse a net, a maioria dos miudos (e graudos)possivelmente deixava de escrever...

depois, é um salto enorme em termos de convívio, a net voltou a juntar pessoas...de uma maneira extraordinária :)))é natural que daí surjam novas amizades, novos amores, afinal são pessoas ;)

jinhos
Cristina disse…
Kami

já uma vez te disse, não esperas nada, esperando tudo.... ;)

baccis
Alien8 disse…
Desconfio dos cépticos pessimistas. São geralmente os maiores optimistas, só que disfarçam muito bem. De qualquer forma, bem dizia o outro que optimista é o que pensa que vivemos no melhor mundo possível. E pessimista é o que pensa exactamente o mesmo :)

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