Do Expresso de hoje, a resposta de Miguel Sousa Tavares:

(...)Mas não há nada melhor para confirmar ou desmentir uma teoria do que experimentar-lhe os efeitos. No meu caso pessoal, as experiências que conheço têm sido eloquentes: por duas vezes me foram atribuídos na Net e postos a circular textos que não tinha escrito e cujo conteúdo repudiava veementemente; o mais longe que consegui desfazer a falsificação foi o círculo de amigos que me falaram no assunto. De outra vez, deram-me a conhecer a existência de um blogue onde um autor anónimo se dedicara a fazer a minha biografia, acrescentada posteriormente por toda uma série de contribuições igualmente anónimas: eram 27 páginas de conteúdo (!), mas bastou-me ler as duas primeiras para desligar, enojado com a capacidade de invenção, difamação grave e cobardia que aquilo revelava. Esta semana, enfim, estava-me reservada mais uma experiência do género.
Um qualquer tipo dera-se ao trabalho de pegar num romance meu, manipulá-lo devidamente (por exemplo, pegando num início de frase e acrescentando-lhe outro situado 12 páginas adiante), para afirmar, sem estremecer, que todo o meu livro era um plágio do outro, “uma fraude sem pudor”. Uma hora depois de este blogue ter nascido, exclusivamente dedicado a acusar-me de plágio, um jornal telefonava-me para casa a pedir um comentário à “acusação”. Primeiro, pensei que estavam a brincar, depois percebi que levavam a coisa a sério e tentei mostrar o absurdo daquilo: o meu livro era um romance histórico, em que os personagens principais eram todos ficcionados, assim como a história, o outro era um livro de história, um relato jornalístico do mandato do último vice-rei inglês da Índia, em que os personagens eram o Mountbatten, o Nehru, o Ghandi, o Jidah; o meu livro situava-se em 1905, em São Tomé, o outro em 1949, na Índia; o meu tratava da escravatura nas roças de cacau de São Tomé, a par de uma trama amorosa, o outro tratava da independência da Índia; enfim, como se perceberia, simplesmente, lendo-os, tanto a construção narrativa como a escrita eram obviamente diferentes, tratando-se de géneros literários totalmente diferentes. Mas o autor do blogue revelava-se um profissional da manipulação: ele pegava em excertos afastados entre si da versão inglesa do outro livro, colava-os como se fossem uma só frase, comparando-os então com outras frases minhas a que chamava “tradução” e que um jornal dizia serem “frases inteiras iguais”. Mas iguais eram apenas os factos nelas contidos: os dados biográficos de quatro marajás da Índia. Ora, como tentei explicar, qualquer pessoa percebe que um romance histórico ou um livro de história, quando chega aos factos reais, tem de recorrer a fontes, que são outros livros ou documentos preexistentes. De outro modo, não os tendo vivido, ao autor só restaria inventá-los ou distorcê-los, para não ser considerado plagiador: eu deveria então ter trocado os nomes ou os dados biográficos dos marajás que convoquei, assim como os do senhor D. Carlos ou de outros personagens históricos que entram no meu romance. Em vez disso, limitei-me a fazer uma coisa que nem sequer é habitual neste género literário: identifiquei as fontes a que recorri, entre as quais o tal livro que o anónimo da Net me acusava de ter copiado - ou seja, deixei as pistas todas para ser ‘apanhado’. Porém, o meu Torquemada concluiu ao contrário: se eu citava 29 livros como elementos “de consulta do autor” e se ele, recorrendo apenas a um deles, encontrara semelhanças com duas páginas das 518 do meu livro, era caso para “esfregar as mãos de contentamento, partindo à descoberta de mais algumas pérolas da exploração do trabalho alheio”.
Infelizmente, ninguém se deu a esse trabalho ou menos até. Debalde, tentei explicar ao enxame de jornalistas que imediatamente me caiu em cima que o simples facto de darem eco àquele blogue anónimo, sem verificarem previamente o fundamento da acusação gravíssima que me era feita, equivalia a transformar uma mentira privada, ditada pelo despeito e inveja, numa calúnia produzida à vista de milhares. Com esta agravante decisiva: o único meio de que disponho para defender eficazmente a minha honra e o meu trabalho, que é o tribunal, está-me vedado, pois não sei de quem me queixar e quem fazer condenar como caluniador. Não sendo esta a regra, como poderá alguém, por exemplo, defender-se convincentemente de um blogue anónimo que o acuse de pedofilia, tráfico de drogas ou qualquer outra coisa abominável? Tentei explicar que, perante isto, não bastava reproduzirem a acusação e ouvirem a minha defesa. Era pelo menos necessário que lessem os dois livros e percebessem que tudo aquilo era absurdo e que a aposta deste manipulador anónimo era justamente a de que os jornalistas não se dessem a incómodos.
Foi tudo em vão, claro. Responderam-me que o outro livro não estava disponível em Portugal e que, “face à gravidade da acusação” (justamente...), não se podia ignorar o assunto, pois, como me explicou sabiamente um jornalista eufórico, “a bola de neve está a correr e é imparável”. E correu. E foi. Dos tablóides ao respeitável ‘Público’ - onde, confessando-me não ter conseguido obter o livro supostamente plagiado (e, se calhar, sem sequer ter lido o meu...), uma jornalista escreveu, preto no branco: “Há muitas ideias parecidas e frases praticamente iguais”. E, assim, com esta ligeireza, se suja a honra de uma pessoa e se enxovalham anos e anos a fio de trabalho, esforço e imaginação.
O que já sabia dos blogues confirmei: em grande parte, este é o paraíso do discurso impune, da cobardia mais desenvergonhada, da desforra dos medíocres e dessa tão velha e tão trágica doença portuguesa que é a inveja. Mas fiquei a saber, e não sabia, que os blogues, mesmo anónimos, são uma fonte de informação privilegiada e credível para o nosso jornalismo.

Comentários

Venho agora do almoço (cozido à portuguesa, mais os jornais -record, Bola,espesso e O Astro, mais os donos todo do esporting) e vinha a caminho de casa a pensar.

Dos tablóides ao respeitável ‘Público - onde, confessando-me não ter conseguido obter o livro supostamente plagiado (e, se calhar, sem sequer ter lido o meu...)

MST é Uma Figura.
É A Figura.
Nos tempos modernos, aquele que parece é, e só se é se aparecer na TV.
Ao escrever aquela frase toda cheia de subentendidos como é a sua especialidade, ele não se dá conta de que afinal legitima tudo aquilo que condena.
Ás vezes é melhor estar calado.

Better to remain silent and be thought a fool than to speak out and remove all the doubts
Abraham Lincoln
perguntaram-me há dias o que pensava desta situação. tive que ir ler o tal blog anónimo, como é óbvio.


li tudo: post e comentários.


e cheguei à conclusão que a maioria dos 'comentadores' não tinha lido sequer o livro de MST.

quanto ao post propriamente dito, está escrito de uma forma tendenciosa.

pretendendo-se, como parece, dar a conhecer uma fraude, pouco tem de factual, sendo os excertos escolhidos introduzidos em contexto cuja leitura é orientada.

quanto a mim, se se pretende provar que, de facto, MST cometeu o crime de 'plágio', o texto deveria ser objectivo, claro, conciso e não é.

quanto ao resto, pois...terei de ler antes de mais "o equador" que ainda não li.

beijocas.
wind disse…
Embora a frase final dele fosse infeliz, penso que se justificou.
beijos
Anónimo disse…
Acho uma perda de tempo, estarmos preocupados, com a leitura de livros menores, isto é: aqueles que ninguem lê, e aos quais agora se dá grande importancia como de 'BS' se tratassem.
Vemos e Lemos, cada vez menos produção própria, está tudo cada vez mais externalizado, em outsoursing, com outsiders, etc.
Onde e quando é que já se viu, pela manhã compramos um qualquer Jornal, e todos eles terem a mesma fotografia (igual), de 1ª pagina,
é realmente a (des)informação que temos.

JMC
Miguel disse…
Cristina,

Nem todos os blogs são anónimos nem desenvergonhados ...!
Nem o teu nem o meu ...!

Mas infelizmente existem blogs e autores de blogs, escondidos por detrás de um username que atacam tudo e todos ...!

Se existir provas, muito bem!
Caso contrário, não podemos acusar ninguem de algo que não podemos provar! Seja de plágio seja de outra coisa qualquer!

Em todo o caso ...

Um BOM FDS!
Bjks da Matilde
Ulisses Martins disse…
Que o homem escreve bem, isso escreve. Agora que é um estúpido e arrogante de primeira apanha isso é. Mas o seu pai tinha mais estilo e a mãe ainda mais talento. Não terá certamente problemas com a acusação de plágio;

Isto resolve-se assim...!

LOL

Beijos
Anónimo disse…
Cris,

Fizeste bem em publicar este post,
cujo mérito maior, na minha opinião, é a transcrição do seguinte parágrafo do MST:

"O que já sabia dos blogues confirmei: em grande parte, este é o paraíso do discurso impune, da cobardia mais desenvergonhada, da desforra dos medíocres e dessa tão velha e tão trágica doença portuguesa que é a inveja."

Bjos
mfc disse…
Não é pessoa muito do meu agrado, na medida em que quase diariamente opina/julga os outros sem lhes conceder a mínima defesa, pois que é, infelizmente, um "opinion maker".
Mas não será por isso que farei como ele, juntando-me ao coro dos que o acusam... julgo que infundadamente!
PA disse…
O "homem" tem razão !!!


A queixa-crime será _________ CONTRA DESCONHECIDOS !

Olha que lindo !

O problema quanto a mim, nem sequer é o plágio !! Embora não seja agradável a ser verdade.

É acima de tudo o ataque pessoal de que MST é objecto !

Falta de "balls" de quem o faz, de não dar a cara, SUJANDO a "nossa estimada" a Blogosfera.

Tenho dito !!!
Cristina disse…
Fado

é uma figura, de facto. Tenho pena que fale de um grupo que desconhece, afinal ele generaliza sobre a blogosfera, note-se!:também agride, pelo que se ecreve num blog (em milhões) que se dirige a ele. e isso é triste e injusto.
mas pronto, as feras feridas têm tendência a agredir indiscriminadamente.
além disso, quem criou a bola de nve foi a imprensa, o blg apresentou uma opinião, mostrou textos, comparou e tirou conclusões. é esse o facto. ele, tem possibilidade de se defender em meios de comunicação com muitíssimo mais visibilidade e fê-lo.
não vejo mais dramas que isto.

quantas "noticias" destas são lançadas pelos jornais e revistas?

enfim, uma figura publica está sempre sujeita à critica, fundada ou não, propositada ou não.

em uns e outros existe o lançamento da duvida, não sei se um julgameto feito meses ou anos depois, faz muita diferença. talvez...

beijinho
PA disse…
Cristina, penso que MST, ao referir-se à Blogosfera, pretende atingir uma Blogosfera anónima-obscura-suja-perversa.
MST terá amigos/colegas que têm blog's. Não ?
Mas o seu(dele) discurso penso que não é a esse saudável grupo da Blogosfera que atinge.
Além de que creio que faz partes das regras deontológicas do jornalismo "chekar" as fontes. Que fontes foram "chekadas", ou seja, como é que os jornalistas confirmaram as fontes se nem sequer sabem quem é ?
Não nutro simpatia por alguns pontos de vista de MST. Neste caso, estou do lado dele.
Plágio (se se confirmar), à parte, claro.

beijinhos
Cristina disse…
rosalina

vê o link que acrescentei da grande loja do queijo limiano..

é interessante.

beijinhos
Cristina disse…
wind

mas é óbvio que os blogs são uma fonte de informação privilegiada, alguem duvida?:)

beijinhos
Cristina disse…
jmc

é verdade, o acesso ao que os outros fazem é imediato. logo, é muito tentador embarcar no menor esforço. a investigação quase deixou de existir.

beijinhos
Cristina disse…
;iguel

acusar até se pode, desde que se fundamente o que se está a dizer...

quanto ao resto, de acordo!

beijocas
Cristina disse…
ulysses

escreve e concordo com ele em muitas coisas.

isto é outro assunto...

perde, tavez na forma como lida com os assuntos.

beijinhos
Cristina disse…
batuta

pode ser! a maioria das vezes não é.
alem disso, as fontes anonimas não são tao despreziveis como isso, pois não?

vê o link da grande loja..
Cristina disse…
mfc

também diz muitas verdade, que se fossem outros,com as costas mais estreitas, não teriam coragem...
faça-se-lhe essa justiça!

beijos
Cristina disse…
Diana

mas não vemos nós isso noutros blogs, todos os dias, de forma agressiva, às vezes ordinária, e não fundamentada?

quanto ao MST, vem no artigo falar o pior da blogosfera, TODOS, um mundo que ele assume que desconhece!?

como devemos interpretar isto?
veja o link, acho mesmo que chama a atenção para aspectos muito importantes.

beijos

ps-eu sou fã do MST, aliás, trago varias vezes textos dele. mas, como dizia um personagem brasileiro, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa"...

beijinho
PA disse…
Concordo, Cristina.

Admiro e luto pela imparcialidade, e sei que a Cristina também.
acabei de ver o tal link, cristina. gostei. e gostei porque é um texto claramente de opinião devidamente fundamentado. isto, independentemente de concordar ou não com o seu teor.

confesso que não sou ainda capaz de ter opinião clara sobre o que é andar pela blogosfera e publicar aqui.

vou lendo e vendo.

no entanto, mantenho o que escrevi antes.

ao contrário do texto que acabei de ler em "Grande Loja do Queijo Limiano", onde se faz, quanto a mim, uma leitura correcta sobre o benefício do que pode ser a blogosfera, uma vez que permite uma 'liberdade de expressão' que não existe no resto da comunicação social, no post do tal blog anónimo não há uma linha contínua em tudo o que lá está publicado.

por exemplo, já li o post várias vezes e acabei por não perceber se existe de facto uma tradução do livro dos franceses em português. tanto me parece que sim, como logo de seguida não. provavelmente, eu própria deveria saber isso ou até deveria ter ido já investigar, mas optei por não o fazer antes de aqui escrever estas linhas, porque julgo que essa informação deveria estar no post, uma vez que é isso que pretende provar.

isto, porque 'copiar', 'traduzir' e 'plagiar' são, literariamente falando, conceitos diferentes.

já plauto, dramaturgo latino do século séc. III-II AC, escreveu:

"Filémon escreveu; Plauto traduziu em língua bárbara."

com isto o que pretendo dizer é que a forma como se levanta a questão é, quanto a mim, algo leviana. leve de mais. é feita com o objectivo de gerar apenas polémica.

e se calhar até podia ser interessante saber até que ponto o original francês influenciou a escrita de MST.

quanto à forma como MST reagiu, pois, aí ninguém o pode acusar de plágio, uma vez que está a ser ele próprio. e é assim que gostamos ou não do que ele escreve.

e se calhar já falei de mais...ehehehehhehe...

beijocas
André disse…
Efim..os blogues anónimos são uma fonte de acusações. Gostei muito do livro..e um bom livro tem que ter ideias vindas de qualquer lado, factos históricos..enfim.

Visitem!
Cristina disse…
DianaF

as verdades absolutas sem pre foram dificeis de provar..
o resto são opiniões.

beijinhos
Cristina disse…
Rosalina

o que me interessa não é exactamente provar alguma coisa, pelo contrário.
primeiro dei conta da denuncia, e, como disse na altura, esperava que o MST nos esclarecesse, até porque é uma pessoa que aprecio. gostava de ver o assunto esclarecido, ja que o que se apresenta, são comparações que , no minimo, nos deixam muitas duvidas.

agora, custou-me que no fundo ele faça exactamente aquilo de que acusa os outros, fazer uma acusação a um grupo de pessoas, os bloggers, que ele assume desconhecer. não acho correcto.

e vou tentando apresentar as varias perspectivas sobre o assunto.

beijoca.
Cristina disse…
andré
olá, bem vindo.

uns são, outros não...como na maioria da imprensa, senão não havia tantos processos contra jornalistas..:))

beijos
Hipatia disse…
Lembras-te quando escreveste o primeiro post num blog (talvez ainda no tempo do outro que te conheci)? Lembras-te o tempo que levou a começarem a aparecer pessoas para te lerem, tirando aqueles a quem tivesses passado palavra directamente? Já viste quantos blogs aparecem diariamente? E, atendendo a tudo isto, não te parece estranho que um blog, com um único post, se tivesse transformado tão rapidamente num passeio obrigatório para todos os bloggers e um pasto para notícias (notícias?!..) dos jornalistas?
Cristina disse…
hipátia!

long time no see...:)))))))))))

lembro claro! mas convenhamos que o tema do post não era tao aliciante! loool. se eu tivesse escrite ESTE post, talvez tambem tivesse tido bastante audiencia..:))

beijocas, gostei de te ver por aqui;)
Hipatia disse…
Lá porque ando pouco palradora, não quer dizer que não te leia ;-)

Quanto ao que dizes... pois! Acho que nasci desconfiada. E a palavra passou demasiado depressa, como se fosse para passar, como se o tal anonimato que agora faz tanta espécie ao MST não fosse assim tão anónimo para muita gente, jornalistas incluídos. Cheira-me a esturro, só isso :)))
JPN disse…
sobre este texto escrevi também um post, parece-me que é bastabnte insensata a posição de MST.

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