Eu sempre digo que gosto do Natal e é verdade. Gosto da azáfama própria dos dias que o antecedem e gosto da tranquilidade e do espírito de amizade que os caracteriza, como se estivéssemos todos juntos, uma espécie de corrente telepática que faz com que nas nossas mentes estejam mais presentes aqueles de quem gostamos. É esta magia que faz esta época especial, para além de todas as luzes e de todas as cores. E depois, consola-me esta previsibilidade de saber que tudo se passará como sempre, que haverá uma noite de consoada, que o bacalhau estará na mesa à mesma hora, que lá estaremos muitos com o mesmo espírito, e que a lembrança dos que já foram nos serve de alento para reforçar a festa, para reavivar a alegria de estarmos vivos, juntos e dispostos a continuar.
Lembro-me do Natal da minha infância, na aldeia, em que o ponto mais alto era montar a árvore. Não havia o culto do menino -embora houvesse presépio -, era na árvore que depositávamos toda a ansiedade e preocupação. Eu e os meus primos saíamos de casa um dia cedo, percorríamos a serra à procura do pinheiro mais perfeito -tinha que ser alto, cónico e cheio, que nisso eramos muito exigentes!- procurávamos o musgo mais verdinho para o presépio (que podia demorar "horas" a destacar sem partir) e depois de feitas as colheitas regressávamos arfantes e orgulhosos. Reabríamos as caixas velhas com as bolas reluzentes, sempre as mesmas, as luzes, iniciávamos um ritual quase religioso de distribuição dos enfeites com as localizações meticulosamente estudadas para que tudo ficasse harmonioso e adornávamos na base com placas de musgo. Levava-nos o resto do dia, que acabava com a sensação doce de felicidade e triunfo. Nessa noite, dormíamos todos juntos só para que ninguém perdesse a magia de acordar na manhã seguinte com as luzinhas coloridas a piscar reflectidas nas janelas embaciadas pelo frio lá fora. Após cada ano de uso, algumas bolas de vidro espelhado foram-se partindo, as luzes foram-se fundindo, anunciando a sua condição de memória futura, de recanto da infância. Nunca foram substituídas, talvez inconscientemente essa fosse a memória que queríamos guardar, não sei. Naquela época, não exagero se disser que nem os presentes tinham tanta importância como a árvore, além de que não havia muitos brinquedos e já sabíamos que haveriam de andar pelo que "nos fazia falta".... o que mais necessitávamos estava presente, nós mesmos.
Acabámos por deixar de fazer árvore, sem qualquer decisão prévia; aconteceu naturalmente.
Voltámos ao ritual anos mais tarde, pelas crianças. Árvores diferentes, mais comerciais, enfeites mais modernos, tão ou mais bonitas que as nossas mas sem o encantamento que sentíamos antes, nem eles com o mesmo empenho ou o mesmo espírito. Pensava nisso tudo quando olhava para as bolas e para as luzes e via os miúdos mais interessados nos embrulhos, outros tempos!
Hoje volto para lá. Não vai haver árvore, nem bolas nem luzes, só nós e sem nada de muito especial. A mesa estará pronta à mesma hora, com o mesmo bacalhau feito da mesma maneira, as mesmas filhós feitas pelas mesmas mãos, as mesmas recordações, as mesmas piadas, os mesmo abraços carinhosos e o brinde aos que já não nos acompanham. E como diria o poeta, é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, e quanto isso me basta.
Bom Natal para todos.
Comentários
Saudações inferno/natalícias!
E consegue terminar com um raio de esperança.
PS: que texto tão bonito, estou para aqui a chorar baba e ranho! E a rir ao mesmo tempo. :)))
A memória do meu Natal de infância, neste Escoural perdido entre pinhais, no fim do mundo, está associado não ao menino Jesus, muito mais longe estava ao o pai natal ou a árvore de Natal, mas sim ao fogo, o lume que alumia a noite perdedora.
A fogueira de Natal era organizada pelos rapazes da aldeia, pouco rapazes pois a aldeia era e é pequena, onde os mais velhos aproveitavam o calor para beber uns copos de vinho e à meia noite fazerem a previsão do futuro ano agrícola em função do comportamento do fumo da fogueira enquanto este se elevava. Chamavam-lhe “ver as tempras”.
Este ano, soube, que os rapazes vão fazer uma fogueira, o reeditar da memória ancestral e pagã dos avós, pois as noites cada vez mais iguais por todo o lado têm sido deles.
Vou seguir os preparativos e aguardar que o evento se venha a realizar. Se assim for, o que espero, este tipo de texto sairá no meu blog, mais logo à noite ou pela manhã de amanhã.
Um bom Natal Para ti e para os amigos que visitam e frequentam o teu jardim
Manel
Querida, já te disse do outro lado.... a vida só tem um sentido.
este ano, já sabes, o sentimento de perda vai ser maior. mas lá está, a magia do Natal é essa, reinventarmos a benção de estarmos juntos.
um Feliz Natal, um abraço apertado. tamos feitas umas cotas lamechas, ein'
BEIJOCAS
vamos fazendo. se começarmos pelas nossas casas e pelas nossas famílias, já fazemos muito.
beijinhos, FELIZ NATAL.
é assim, a tristeza existe, nem alimentá-la muito nem ignorar...
dá-se uma volta, fuma-se um cigarro, estampa-se um sorriso e vamos em frente.
um beijo e um abraço do tamanho do Mundo :)
que bonito...é engraçado como temos vivencias e memórias tão diferentes :))
beijinhos amigo. FELIZ NATAL.
Um abraço
são as doces memórias das infâncias que não voltam, mas se repetem com outros formatos, outras cores. os sorrisos não serão exactamente os mesmo, mas são os que agora nos deliciam.
com muita esperança, novas magias renascerão, e farão, elas também, as memórias no futuro.
um grande beijo, cristina e votos de uma noite de natal cheia de paz.
:)
um abraço enorme para ti. mais um ano juntos, ein? é obra;)
beijinhos
para si também querida. pois é, não voltam. e também, não sei se queria que voltassem. teria por exemplo que passar pelo desaparecimento do primo que carregava a árvore...há coisas que não vale a pena ver de novo.
um beijinho, uma noite de paz e alegria.
Feliz Natal
Os meus natais eram mágicos... até há uns atrás. Agora, é um tempo de saudade, em que o sentimento de perda (que nunca desaparece e que a Cristina também conhece) parece estar (ainda) mais vivo.
Desejo-lhe um doce Natal, pleno de luz, calor e tranquilidade.
Jinho.
Diana F.
bjs
Obrigado pelo e.mail gentil, são os obstáculos que a vida nos prepara.
Um beijo para você querida
Yon
é curioso, saudade existe sempre, mas fazemos os possíveis por não o cultivar. por seguir em frente com os que estão e do modo mais descontraído e alegre possível. tem que ser assim:)
um beijo Luisa, obrigada pelo comentário.
um grande, grande beijo para si também:)
quantas vezes querido! e nesse particular...lol, posso dizer que estou bastante àvotade..:))
um beijo grande, tudo de bom para ti:)