Hipocondríaco, eu?



O medo da doença é um sentimento universal, inerente à espécie humana e directamente proporcional ao grau de informação a que a sociedade tem acesso.

Há tempos referi-me aqui à cibercondria, ou seja, à procura desenfreada de justificação/diagnóstico para determinados sintomas ou queixas na net sem que essa facilidade de consulta resulte em alguma ajuda efectiva. Muito pelo contrário, o individuo vê-se perante um manancial de informação que não consegue interpretar ou interpreta geralmente da pior maneira, convencendo-se de doenças que não tem, da necessidade de exames inadequados à sua situação, ou de terapêuticas não indicadas. Há uma falsa ideia de que estão mais informados quando na realidade o que acontece é um acréscimo de angústias e uma exacerbação de medos perfeitamente legítimos mas aqui potenciados por informação não correctamente filtrada, ou mesmo errada, retirada da rede.Compreende-se assim, que este seja o terreno perfeito para o desenvolvimento de uma realidade para a qual alguém me chamou à atenção e que é o motivo deste post:
A Hipocondria.
Primeira dúvida: porque é considerada patológica, se afinal o medo da doença é um sentimento natural?

A hipocondria é um problema tão antigo que os primeiros relatos a seu respeito foram feitos por Hipócrates, o pai da medicina. A origem de seu nome está associada a queixas de dor na região do hipocôndrio, palavra grega que se refere à zona abdominal abaixo das costelas. Estima-se que 3% da população tenha alguma manifestação desse tipo.
Pode ser definida como a sensação de mal estar e até a apresentação de sintomas específicos sem que estes correspondam a uma doença real. Além da descrita dor, a outra queixa mais frequente é a "dor no peito"; depois outras perturbações frequentes são a enxaqueca, as tonturas, as palpitações, a insónia, as dores musculares, .....que podem de facto existir, mas, a preocupação com o medo de ter, ou crença de que se tem doença grave baseada na interpretação errada de sintomas físicos, persiste apesar de adequada avaliação e tranquilização médicas, além de não reconhecer que essa preocupação é excessiva ou não tem fundamento. Procura outro médico, que acaba por lhe pedir mais exames, vai por iniciativa própria a vários especialistas, e chega ao consultório com uma pasta enorme onde guarda meticulosamente todos os seus exames. Não sabe bem o que procura, apenas busca uma doença que tem a certeza que existe, ou se não existe está prestes a existir. Vai nem que seja por precaução, "nunca se sabe..."..

Todos conhecemos pessoas que se preocupam excessivamente com possíveis doenças físicas ou psíquicas, comparando o que sentem com sintomas diagnosticados noutras pessoas, imaginando que estão a desenvolver doenças semelhantes. Um batimento mais acelerado do coração é logo encarado como sinal de doença cardíaca, uma dor de cabeça olhada como potencial aviso de problemas no cérebro… Na verdade, estima-se que 10 a 20 por cento da população considerada “normal” possua estas preocupações hipocondríacas em algum momento da sua vida, particularmente em alturas de maior fragilidade emocional, sem que isto constitua a verdadeira doença hipocondríaca. [Manuela Silva-H.S.Maria].

Este medo torna-se patológico quando, como na maioria dos distúrbios psiquiátricos, se converte numa obsessão perturbadora da sua vida de relação. O problema é que para algumas pessoas a crença de que há algo errado com elas interfere no dia-a-dia, é motivo de inúmeras consultas, realização de exames, absentismo, causa angústia e até depressão convertendo-se num sofrimento real, não é um doente imaginário, mas alguém que apresenta uma verdadeira perturbação crónica, perceptiva, cognitiva e psicológica, disfunções psicofisiológicas, deterioração familiar e social, até porque, habitualmente não é levado a sério pelos profissionais de saúde nem consegue aquilo de que obviamente necessita: atenção. Normalmente, uma pessoa hipocondríaca sente-se incompreendida pelos familiares e principalmente pelo médico pelo facto de entender que tem uma doença a que o médico não dá a devida importância ou não acredita nos sintomas.

4 explicações para a hipocondria

Não se conhece a causa da hipocondria, mas são avançadas quatro teorias principais que tentam explicar esta doença:.

1 Teoria da amplificação. É a que encontra maior apoio nas investigações já realizadas. Sugere que a hipocondria resulta de um aumento das sensações corporais normais e de um desvio da atenção do indivíduo, que parece estar “desligado” do exterior e estar selectivamente atento aos seus sintomas corporais mínimos, amplificados, que são encarados como sinónimos de doença. o hipocondríaco vive num estado de permanente alerta, desviando a sua atenção do meio ambiente para si próprio e olhando de modo alarmista e interpretando erradamente cada sensação nova no seu corpo. .

2 Teoria psicanalítica: advoga que a hipocondria seria resultado de factores exclusivamente psicológicos, que as queixas físicas seriam manifestações de conflitos psicológicos relacionados com a agressividade contida, com a culpa, com a baixa auto-estima ou com a excessiva preocupação consigo mesmo.
Freud aproximava a Hipocondria à paranóia "se o paranóico se sente perseguido por inimigos localizados no mundo externo, o hipocondríaco está perseguido por seus órgãos.
Volich faz um cuidadoso levantamento do conceito na obra de Freud e dos seus seguidores. Diz ele:
Diz ele: "Muitas vezes, diante do sofrimento e da perda, entre o vazio e a palavra, o corpo vê-se convocado. Diante do outro, do médico, do terapeuta, nos pequenos e grandes sinais do corpo, na exuberância e timidez das suas formas, no silêncio e na eloquência de suas expressões, escamoteiam-se as marcas da existência humana. Inscrevem-se ali os prazeres, os encontros felizes e gratificantes, mas também as dores, as perdas, as separações mais difíceis de serem compartilhadas. Entre o real e o imaginário, inclina-se muitas vezes o corpo à exigência de conter o sofrimento indizível, de suportar a dor impossível de ser representada. A hipocondria é apenas um dos recursos do humano para lidar com as dores do drama de sua existência".
3 Teoria da aprendizagem social. Defende que o indivíduo aprende o papel de doente. As constantes atenções e cuidados que recebe quando a sua saúde está afectada levam-no a habituar-se a esse conforto e a alimentar esse tipo de situações..

4 A quarta teoria sugere que a hipocondria seria uma forma especial de uma outra doença, mascarada por outras doenças psiquiátricas, como a depressão, sendo, muitas vezes, esse o motivo da ida destes doentes às consultas de psiquiatria. ou certas perturbações da personalidade.
.

Não me parece que seja possível justificar a Hipocondria apenas por uma das explicações. Ela será um misto de todas, mas o mais importante é que os profissionais de saúde a entendam como uma necessidade real de encaminhamento. Quero que com isto dizer que, não basta dizer ao doente "você não tem nada orgânico" (o que é verdade mas não o satisfaz) mas é preciso fazê-lo tomar consciência de que o próprio contexto, a hipervalorização de sintomas, o medo despropositado quando toda a investigação foi negativa, a somatização de problemas psicológicos de vária ordem, são a própria doença e que tem que ter uma parte activa na solução. Enquanto não se convencer disso. continuará a sua busca inglória de uma situação que o apavora e seguramente não deseja.

Comentários

I wasn't a hypochondriac until I read this . . . Now, I feel sick all the time!
Had a hell of a long day yesterday, but it's better now. BTW, Babelfish translated "The Cowboy Junkies" as "Junky Cowboys" :P
The weekend's over for you, Cris, so have a good week.
One more thing, I come here to learn as much as I can, and I always do, so you win the Thinking Blogger award from this culturally ignorant American (isn't that redundant?).
Love ya, and kisses.
Alien8 disse…
Cristina,

Belo post, que nem preciso comentar :)))

Venho só desejar sorte para o teu Benfica.

E um bom fim de semana.

E um bom Primeiro de Maio.

Beijocas.
Cristina disse…
Já me aconteceu em tempos, agora quando tenho algum sintoma, vou logo ao médico...

Belo post

beijinhu
Mel disse…
pois...e quanto mais conhecemos algo sobre doenças maior é a certeza de termos aqueles sintomas todos :)
Animal disse…
eu é mais as amigdalas inflamadas. será cancro?
Cristina disse…
animal

olha pá,cancro?? tá bem abelha.... só me ocorre uma frase de um amigo meu: haja higiene foda-se!

:DDD

(ha ka tempos ke num te bia...)
Cristina disse…
geoffrey

"Now, I feel sick all the time!"??

Don't worry, darling Don't worry!! i can fix that...

(i really don't know how you can understand this translation...)

many kisses and a good week ;)
Cristina disse…
alien

sorte....tens razão aquilo é tipo euromilhões..

beijocas, bom feriado também:))
Cristina disse…
cristina

logo,logo...tambem não é preciso....lol

uma beijoca para esse lado do atlantico :)
Cristina disse…
immortal

é engraçado isso do "quanto mais conheçemos"....
queres um exemplo?

É bem conhecida a realidade dos estudantes de medicina que, praticamente todos, passam por uma fase hipocondríaca. Esta fase acontece com os primeiros contactos com as cadeiras clinicas. À medida que se vai começando a ouvir falar de sintomas, ou de constelações sinais e sintomas relacionados com determinadas doenças, não há quem não pense pelo menos meia dúzia de vezes :"eu já senti isto, será que tenho esta doença?", ou "é precisamente esta dor que eu tinha outro dia...tenho que fazer exames..". É uma fase temporária. Depois, com o avançar do conhecimento, aprende-se a integrar essa informação na história natural de cada doença e a fazer o chamado diagnóstico diferencial; o que significa, equacionar os dados, neste caso o conjunto de sinais e sintomas a favor de uma doença e, tão ou mais importante que isso, os dados contra essa mesma doença. Este exercício é geralmente efectuado para todas as possíveis causas no contexto em que o doente se apresenta, repete-se sucessivamente para cada hipótese, e é a parte nobre do exercício da medicina. Mais exactamente, é o fundamento da especialidade de Medicina Interna. A título de exemplo, talvez ajude a entender, é o que faz o "famoso" Dr.House: equações de sinais, sintomas e resultados de exames complementares, até chegar ao diagnóstico que melhor explica todos os achados e ao mesmo tempo exclui todas as outras hippóteses à partida colocadas.

é isto qu falta a quem não chega a essa fase do conhecimento: saber excluir!

um beijo
Anónimo disse…
A escolha da foto para ilustrar este excelente post... é extraordinária.

Quanto à hipocondria..."eu é mais bolos"
Mel disse…
concordo plenamente, eu sei que faço muitas perguntas (lol) mas acho que não estou nessa faze ainda de ter tudo (ou estarei)hehe
Cristina disse…
dalloway

obrigada :)))

bolos...essa invenção do demo..:/

beijinho
Cristina disse…
immortal..nahh, espro que não..:))

beijinhos
Mel disse…
aiiiii que raio de calinada e só agora vi!!é fase!!
sem-se-ver disse…
e não há nenhuma teoria que aponte como explicação ter ascendência directa e de contacto quotidiano hipocondríaca?

não falha... ou para se ficar também, ou para nunca o ser.
Cristina disse…
sem-se-ver

a reação é geralmente de repulsa..

:)
Anónimo disse…
Oi!
Cheguei em seu blog por acaso, e gostei bastante. Parabéns!
Acrescentaria que Freud ponderava que nos sonhos podemos
ter um contato mais real do “que fala nosso corpo” através dos
investimentos libidinais, ausentes no nosso estado de vigília.
E essa “hipocondria” dos sonhos, de “escutar” mais nosso corpo
nesse momento, que cumpria o papel de fazer o trânsito da
auto-erogenização ao próximo passo de escolher um objeto de desejo.
O cuidado materno de cuidar do filho é, paradoxalmente, proveniente
dessa mesma “hipocondria”. De “escutar o corpo” alheio de forma
necessariamente amplificada.

Saudações do Brasil,

Umberto Conti
Cristina disse…
Umberto

muito obrigada pela visita e pelas agradáveis palavras e elucidativo comentário.

um beijo e volte sempre
Anónimo disse…
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