porém, deixemos como está.


Nunca fui muito chegada à escrita, nunca senti esse impulso, nem tive alguma vez a necessidade de me exprimir escrevendo. Sempre fui muito mais de falar, frente a frente, olhos-nos-olhos. Sobre o que me rodeia, retenho o que me interessa e o restante, a maior parte, esqueço. Isto, até ter um blog.... abri as gavetas do armário e dei comigo a ler coisas que já nem tinha ideia de ter escrito. Estranho, isso: a impossibilidade de perder a memória. É como se já não me fosse permitido apagar o que não interessa. As coisas insistem em ficar ali a baloiçar à frente dos olhos, os acontecimentos que já passaram, as opiniões já entretanto reajustadas a novos acontecimentos e os textos mais teóricos que certamente já nem escreveria da mesma maneira.

A memória é uma função cognitiva que depende directamente de afectos, paixões, alegrias e tristezas. Eu guardo contextos, não pormenores. Ou não guardava, agora estou cheia deles à minha volta, rodeada de meros escritos inertes, sem alma. E a sensação de que outra pessoa os colocou lá, que não eu. Estranho, isso.
Duvido que algum dia conseguisse escrever um livro de memórias. As que valem a pena fazem-se de invioláveis silêncios e cumplicidades, num exercício basicamente íntimo e solitário. As outras, apagam-se.

Comentários

Anónimo disse…
já varias vezes me arrependi de voltar a certos sitios, na espernça de voltar a encontrar a magia, mas...ela já nao estava lá.é como o bussaco, como vivi em criança varias ferias grandes naquela mata, hoje tudo me parece deslocado, tudo me parece pequeno. grandioso, mas pequeno.
Joana Lopes disse…
Gostei do seu texto.
A Cristina ainda é muito nova para escrever um livro de memórias. Mas talvez um dia, daqui a muitos anos, perceba que isso pode ser gratificante - foi o que aconteceu comigo.
Mas é preciso uma grande distância, para esquecer muita coisa e só ficar o que é realmente importante - mesmo que sejam pormenores.
Anónimo disse…
Tem poucos dias que vi, finalmente, "The Year of Magical Thinking". Fiz questão em ver porque não queria perder a actuação de Vanessa Redgrave, mesmo sendo um monólogo (que por norma não aprecio). Fi-lo mais pela actriz do que propriamente pelo texto (livro) que conheço quase na integra. Penso que está traduzido para português.

Neste momento adoraria que a Cristina tivesse visto a peça e talvez conseguissemos falar 'olhos-nos-olhos' sobre esta coisa chamada de memória (a selectiva nem sempre é muito simpática:), do impulso de escrever como forma de partilhar o que vai na alma...dessa coisa chamada de livro de memórias e tal e coisa!

A peça foi baseada num livro escrito por Joan Didon que é conhecida como jornalista, ensaista e novelista (escreve regularmente para o New York Review of Books), só que este livro é intimista e muito pessoal onde a personagem central é a própria Joan Didon (que a Vanessa Redgrave interpreta de forma subliminar)... tudo se "resume" nos acontecimentos de uma noite inimaginável...momentos esses vividos por Didon...e eu ousaria usar as palavras da Cristina para tentar caracterizar essa tal noite de Didon ...de "invioláveis silêncios e cumplicidades, num exercício basicamente íntimo e solitário."
(em cena até 19 de Agosto).

Apetece-me terminar mais uma vez com as suas palavras:

"Eu guardo contextos, não pormenores. Ou não guardava, agora estou cheia deles à minha volta, rodeada de meros escritos inertes, sem alma. E a sensação de que outra pesoa os colocou lá, que não eu. Estranho, isso."

Quem sente e escreve assim não é gago!
Nunca se sabe, Cristina...beijo e bom domingo...
Anónimo disse…
A memória, como dizes, é a tal função cognitiva...
Conseguirás fazer uma selecção do que interessa reter? De forma natural?
Duvido.
Pêndulo disse…
Não há muitos dias li o que se segue que vem muito a propósito:



Cientistas descobriram um processo de dois passos pelo qual nosso cérebro poderia suprimir memórias emocionais.

A descoberta, detalhada na edição de 13 de julho da revista Science, tem implicações para aqueles que sobrem de distúrbios emocionais como a depressão.

No estudo foi solicitado para 16 pessoas decorarem na memória 40 pares diferentes de figures que consistiam em uma face humana “neutra” e uma imagem perturbadora como um acidente automotivo ou um soldado ferido.

Depois de memorizar cada par o sujeito era colocado em uma máquina de ressonância magnética para que sua atividade cerebral fosse analisada. Foram exibidas apenas as imagens dos rostos e solicitado para que pensasse não sobre a imagem perturbadora previamente associada àqueles rostos.


As áreas do córtex pré-frontal onde o processamento cognitivo ocorreu


Quando as pessoas estavam tentando esquecer propositalmente, o córtex pré-frontal acendia, indicando que estava ativo. Em humanos esta área está envolvida em funções cognitivas mais complexas como orquestrar pensamentos e ações. Especificamente duas regiões do córtex pré-frontal pareciam funcionar em fila para suprimir a memória negativa em um processo de dois passos. Primeiramente os aspectos sensoriais da memória eram bloqueados. Em seguida as emoções associadas com a memória e então a memória em si era suprimida.

“Mostramos neste estudo que as pessoas tem a habilidade de suprimir memórias específicas em um momento exato através da prática da repetição”, disse Brendan Depue da Universidade do Colorado (EUA).

A equipe suspeita que para suprimir memórias mais emocionais e traumáticas é necessária maior prática. “Em casos como este, a pessoa pode precisar de milhares de repetições de treinamento para suprimir tais memórias”, disse Depue. “Nós ainda não sabemos ao certo.”
digoeu disse…
"the past is a foreign country: people live differently there" in The go-between,L.P. Hartley .
a memória envolve sempre "arrumação" que a aproxima da ficção.
e-ko disse…
as memórias e a memória são como um espelho estilhaçado no chão que reflete imagens fragmentadas, e, essas imagens são diferentes segundo nos aproximamos ou recuamos ou que a cor e luz ambientes cambiam ou que as sensações agradáveis ou desagradáveis nos impelem ou repelem para essa observação. o tempo opera na selecção e na distância, para só deixar fragmentos cintilantes ou sombrios que, sem a distância, não teríamos a força de observar e transmitir. assino e-ko.

publicar um livro com o que se escreve num blog é muito diferente do que escrever memórias, é como escrever pequenas crónicas. gostava de me sentir mais ligeira para escrever no meu próprio blog porque gosto do que os outros escrevem de muito pessoal. com o tempo talvez lá chegue... o tempo esse grande escultor, como dizia Marguerite Yourcenar. porque não ?

ainda há ano e meio, vivi quase um terror, ao editar os primeiros postes do meu blog. nunca me senti bem com a prosa... mas sinto que isto está a mudar!

se tiver oportunidade, porque não Cristina ? afinal, há quem publique coisas sem nenhuma qualidade com etiqueta de literatura... não é preciso dar exemplos. depois, da mesma forma que sabemos, inconscientemente, seleccionar as nossas recordações, também sabemos, objectivamente, seleccionar o que de melhor produzimos.

mudando de assunto: vou ver como podíamos fazer uma espécie de rádio colectiva para partilharmos novos sons. no imeem é possível fazer uma playlist em grupo.

bom domingo
bjs
Manel disse…
No entanto a vida é a memória, só que com a vida a memória vai mudando
Escreve. Escreve e guarda para que as tuas memórias possam evoluir.
Bom Domingo
sem-se-ver disse…
para além de muitas outras coisas (a memória é um assunto fascinante), serve como manual de sobrevivência. simplificando, algo como isto: pessoas equilibradas são as que conseguem gerir o seu baú de memórias, mantendo as que valem a pena e apagando as outras.

dito de outro modo: eis por que não há, em rigor, pessoas equilibradas em lado nenhum.
José disse…
Porém... assim se escreve um texto interessante para memória futura...
Bom domingo
Mocho Falante disse…
ora viva

pois que grande verdade, na vida tudo tem o seu tempo e por vezes revisitar as nossas coisas num tempo posterior dá-nos essa sensação não é? De que tudo seria diferente se fosse hoje...também me acontece mas ainda bem que assim é, é sinal de evolução

beijocas bué de doces para ti
Cristina disse…
sarol


alguém dizia que nunca se deve voltar aos lugares onde se foi feliz....eu concordo e acrescento: nem àqueles onde se foi infeliz. logo, a coisa é avançar para novas paragens,..:))

bjinhos
Cristina disse…
Joana

nova gostava de ser sim! mas nem tanto lool

mesmo assim, as memórias que para mim teriam interesse, não teria coragem de as mostrar ao mundo. a naõ ser, claro, não o que tem directamente a ver comigo, mas com a profissão ou qualquer outra actividade..:)

beijinhos, bem vinda ao contracapa.
Cristina disse…
dalloway

mas é verdade, costuma-se dizer que o bom do passado é isso mesmo:já ter passado. é curioso que até em relaçõa aos melhores momentos, quando me perguntam se queria voltar atrás, respondo sempre não!. não releio livros, aliás, já disse algumas vezes que dei TODOS os meus livros e filmes(uhf), mantenho dvd's e cd's. até ver. revejo esporadicamente cenas, mas nunca revejo na integra.
com as pessoas é igual. se estiverem óptimo, se não estiverem óptimo, estarão outras.

sou desligada mesmo. o que não significa falta de afectividade, significa que bom é o que vem a seguir ;)

beijocas, vou recomeçar a trabalhar e espero pelo nosso cafezinho, ou ameijoas ou bifes ou lá o que é....:P
Cristina disse…
amigona

é nunca se sabe. mas ja ha coisas a mais...dava muito trabalho :))além disso ja não as conseguiria dizer tal como as vivi. acho.

beijinhos
Cristina disse…
reporter

não duvides...às vezes até ha coisas que gostava de não esquecer..lol. só porque era importante para outras pessoas, não para mim..:/

bjinhos
Cristina disse…
Pendulo

não sei se foi contigo....sim, foi contigo! que em tempos discuti se era ou não possivel aprender os comportamentos, ou a atitude positiva ou negativa perante a vida. aí está.

mas....não digo que esta caracteristica seja sempre boa. para a minha sobrevivencia mental, é. mas cria-me alguns dissabores, às vezes.

:)
Cristina disse…
digo eu

people live differently there....indeed.

beijinhos
Cristina disse…
e-ko

como disse ontem noutro blog, vamo-nos fazendo...a transformação é surpreendente. eu, pelo menos fico surpreendidíssima com as coisas que escrevi há dois anos...
aprendi muitas coisas, mas principalmente que escrever ajuda a organizar ideias :)

vá dando noticias sobre o realejo ;)

beijinhos
Cristina disse…
manel

elas evoluem sempre, quer eu queira ou não :))

beijinho
Cristina disse…
manel

elas evoluem sempre, quer eu queira ou não :))

beijinho
Cristina disse…
sem se ver

não há?? as memórias não são assim tão dificeis de gerir, é uma filosofia de vida. o que é dificil de gerir são as memórias futuras :)

beijinhos
Cristina disse…
josé

:)) um beijinho
Cristina disse…
Mocho

nem mais, mal de nós se ainda nos sentissimos dentro das nossas memórias :))

beijinhos guapo!
MC disse…
Todas as memórias são importantes.
A vida é feita num longo caminho, cheio de pedras, umas maiores, outras mais pequenas. Todas são importantes porque todas nos ajudam a seguir em frente. No entanto as que ficam na memória são as realmente importantes, as que marcam a diferença, as que fizeram o rumo que seguimos. As outras não ficam sequer na memória.

Talvez não seja simples de entender mas o que quero dizer é que todas as memórias (verdadeiras - porque há quem tenha memória de coisas que nunca existiram) são importante ou não teriam ficado guardadas... As boas, as más, as grandes, as pequenas. Todas!
Foi esse caminho que nos fez o que somos hoje.
Anónimo disse…
Estou de acordo com o Miguel, mas isso não quer dizer que se queira publicar.

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