a vida segue, apesar dela mesma.


O DN dá hoje conta do aumento da violência sobre os idosos em Portugal. Não é de hoje, como sabemos, e já falei aqui várias vezes nesse assunto.
Diz ainda, que nos últimos cinco anos, os registos deste tipo de violência triplicaram, dos mais de oito mil casos para quase 25 mil em que a vítima do crime tem mais de 64 anos. "Os idosos são vítimas silenciosas, já que não apresentam queixa por medo", garantiu fonte do gabinete do procurador-geral da República (PGR) ao DN.
Os agressores mais frequentes, exercem essa violência de diversas formas.
Maus tratos físicos e abuso sexual, são talvez os menos frequentes.
Maus tratos psicológicos -o modo como algumas famílias culpam os idosos pela perturbação da paz familiar, pelo aumento de gastos ou pelo simples facto de existirem é já de si revoltante, mas, como a crueldade humana não conhece limites, nasceu a figura da "negligência por abandono" com a bem conhecida a realidade do despejo de pessoas nas urgências e nas enfermarias dos hospitais, muitas vezes com um assumido "o Estado que cuide dele", ou um também eloquente "não tenho vida pra isto". Outros casos há, em que não chegando a desfaçatez a tanto, sob uma capa de suposto interesse, se dá a volta ao assunto de outra forma: negligenciam-se os cuidados de saúde. São situações com lidamos todos os dias, nomeadamente, a administração de doses erradas de medicamentos para "ficarem mais calmos", e não é só nos lares mas também em casa, ou, pelo contrário, é frequente a suspensão da terapêutica no sentido de deixar agravar a doença até à fase de indicação de internamento a fim de afastar o idoso de casa. Existem pessoas com muitas dezenas de internamentos por anos, sim, dezenas, por este motivo. E não estou a falar de falta de dinheiro. Este tipo de atitude, acontece por parte de quem cuida, mas acontece também também por parte de quem é "cuidado", que prefere ser levado para o hospital a estar com a família.
Outra situação grave a que se assiste, embora rara, é a tentativa de extorquir dinheiro por parte dos filhos ou herdeiros sobre os pais já pouco lúcidos, chegando a ser encontrados visitantes acompanhados de notários à beira da cama, para legitimar, com as desculpas mais incríveis, assinaturas que eles mal percebem que estão a fazer...dou um exemplo, uma doente minha de 85 anos tem uma sobrinha em tribunal porque lhe levou um "papel inocente" para assinar quando estava internada e de que resultou ter ficado sem a casa em que tinha nascido e sempre viveu. E mais, onde tinha acolhido a dita sobrinha numa fase de desemprego. Acontece, sim.
Mas continuando, diz o PGR que "os casos que envolvem idosos são pouco denunciados, "razão pela qual é necessário e urgente tomar medidas". É urgente sim. É preciso que as pessoas não tenham medo de denunciar, mas é preciso que as denuncias sejam consequentes. E é preciso que quem agride seja, de facto, responsabilizado.
Eu, não me lembro de alguma família que tenha sido condenada por maus tratos ou negligência quando ela é óbvia. Mesmo nos serviços de saúde, ainda não existe o mesmo empenho nem a mesma sensibilidade para denunciar que já se vai tendo em relação às crianças. Mais, não existem os mecanismos montados para afastar a vitima, do agressor. Pior, a negligência dos idosos não é socialmente tão condenável. É preciso mudar isso. É verdade quando se diz que é um sofrimento silencioso. E chocante. Chocante, não só pela perda de autonomia e pelo sofrimento físico, mas também pela sensação de impotência e de desamparo, pelo desafecto, e muitas vezes pelo desprezo e o desespero. Chocante, pelo sentimento de que a vida é de facto injusta para quem deu o que tinha enquanto pôde. Pela perda total de dignidade. Pelo olhar que já não exprime vida, mas só angustia e cansaço por continuar vivo... um nada completo e presente.
"É preciso arrepiar-se sempre", disseram-me um dia. E quero continuar a arrepiar-me, principalmente pelo que não faz sentido..…não quero agora tentar entender razões, ainda não me acostumei com a ideia de explicar as coisas através do destino, queria apenas que não fosse assim.
Além disso, dias existem em que me falta sabedoria para saber a diferença entre as coisas que posso mudar e aquelas que não posso.

Comentários

cs disse…
um País que não ama os seus velhos é um pobre País.


Triste País este.
:(
Pêndulo disse…
A melhor forma de preparar a velhice é tratar bem quem nos rodeia. Não é garantido mas ajuda.
Muitas vezes estes maltratados pelas família são aqueles que as martirizaram enquanto estavam na plenitude.
Não se veja nas minhas palavras uma desculpabilização mas um alerta para que não se faça o mesmo.

Anoto ainda os maus tratos governamentais; o meu pai já não é aumentado há anos e ainda por cima "comeu" agora com um desconto de 1,5% sobre a pensão. Como se vê o exemplo de desumanidade vem de quem nos governa.
LM disse…
Costumo dizer que é vã a luta por um melhor tratamento dos animais, num país em que os idosos são largados (e não encontro outra expressão) nos hospitais; ainda ninguém se lembrou de abrir a porta do automóvel e deixá-los na berma da estrada...creio eu.
Beijo
Cristina disse…
cs

neste aspecto sim, é triste.

bj
Cristina disse…
P

algumas vezes sim, não foram "flor que se cheire" mas não é a maioria. e curiosamente, nem são esses os mais desprezados, acreditas?

quanto ao resto, não é de dinheiro que falo...mas de qualquer modo, em relação às familias cujos velhotes até têm dinheiro, ou bens, sabes o que eu acho? se têm dinheiro e a familia os abandonou, ok, confiscavam-se os bens para financiar um lar em condições, e pagar a quem deles trate.

podes acreditar que se resolviam parte dos casos.

é que eu já vi muitos casos de velhos que ficam sem nada para dar à familia e depois estão internados como "caso social". não imaginas o que é o sofrimento dessa gente, que infelizmente, muitas vezes está mais lucida do que parece..
Lido o texto, sente-se implicitamente que as desumanidades perpetradas contra idosos são da responsabilidade dos familiares.

Provavelmente, a grande maioria, sim...

Por isso é necessário alterar mentalidades. Formar as pessoas, etc, etc.

Julgo que, sendo os familiares responsáveis pelos idosos já adultos, essa formação e sensibilização passará pelo contacto que se tenha com os médicos assistentes, enfermeiros, auxiliares da saúde...

Vem isto a propósito do seguinte episódio.

Os meus avós maternos estão desde há três anos a viver com os meus pais.

A avó tem alzheimer. Necessita de apoio para tudo. Pouco tempo depois de estar lá em casa, fez escaras. Necessitou de um tratamento especial. A mãe levou-a ao Hospital da Cruz Vermelha que é onde o médico dela dá consultas. O tratamento inicial foi feito, mas necessitava que os pensos fossem mudados com regularidade.

A enfermeira da Cruz Vermelha disse à minha mãe que solicitasse o apoio da Centro de Saúde da área de residência.

E assim se fez.

De facto, foi lá a casa uma enfermeira. Mas só lá foi uma vez. Durante todo o tempo em que esteve a fazer o tratamento, foi sugerindo que com pessoas daquela idade e naquelas circunstâncias, já não valia a pena levantá-las da cama, grandes tratamentos, blá, blá...

A minha mãe não voltou a entrar em contacto com o Centro de Saúde para tais fins.

Foi, de novo, à Cruz Vermelha e pediu à enfermeira que lhe explicasse como se fazia o tratamento.

As feridas desapareceram, não voltaram, a minha avó é todos os dias levantada e já lá vão 3 anos.

Acredito que a minha mãe não seja única.

Conclusão, algo tem de mudar, mas não é apenas no núcleo familiar.
Cristina disse…
lm

mas é igual...deixam na urgencia e piram-se antes que alguem lhe peça um contacto.

mas engraçado são as pessoas que fazem um barulho incrivel exigindo os melhores cuidados, mas depois quando o velho tem alta, só o levam no dia em que entra no lar porque não pode estar nem 1 dia com eles em casa...giro, não é? gostam muito que os velhos sejam bem tratados....., pelos outros.
Pêndulo disse…
A propósito de dinheiro, na semana passada, tive o seguinte diálogo profissional com um senhor idoso que costumo ver no café onde lancho.
O senhor vê muito mal, quase cego. Contou-me que a mulher está a ficar igual. É gente com dinheiro e à espera de receber uma herança avultada que tarda por problemas legais. Tinha um problema e porque me conhecia de vista dirigiu-se a mim no local de trabalho. O assunto metia uns números que ele me pediu para escrever num papel com algarismos bem grandes. Assim fiz e perguntei-lhe se não teria filhos que lhe pudessem tratar do assunto:

- Os meus filhos...tenho dois a morar nesta terra mas, com sua licença..SE EU OS CHAMAR PORQUE TENHO UM PENICO COM NOTAS APARECEM LOGO MAS PARA ISTO NEM VÊ-LOS. Passou agora o Natal e nem os vi. Nem um nem outro.

E pensei eu cá para mim que logo que um dos velhotes morra aparecem para disputar a herança.
cs disse…
n acho que o problema passe só por dinheiro. Passa por formação. Temos Universidades que produzem analfabetos culturais aos kilos, criaturas que aos vinte e poucos anos entram no mercado de trabalho com uma inveja no olhar que até chateia. A sua unica ambição era serem funcionários publicos e tentam enxotar quem trabalha e está agora com 45/50 anos. Diáriamente chamam com um descaramento incrivel, velho a quem tem 50 anos. São estes os seres que se estão a formar nas nossas universidades. É disso que se trata. De um País que n aprende na escola a respeitar nada. Um País que n respeita os seus velhos é triste e pobre.

desculpe o abuso Cristina, mas ladear a questão n leva a lado nenhum
Cristina disse…
P


mas eu vejo isso muitas vezes! eu tenho um que agora está internado e que não costuma aguentar-se em casa mais de uma semana, que diz que no hospital até a comida lhe sabe bem, em casa não consegue comer. higiene péssima. no hospital, a medicação faz efeito, em casa nao. diz que o irmão (com quem vive e que é mais novo) lhe leva um prato de comida, não aparece la o dia todo e quando aparece é para ralhar com ele ( a filha do irmão diz que o pai de facto o trata à bruta).

conclusão: ele em casa não toma os medicamentos para voltar a ser internado. e sabes porque é que está em casa do irmão? porque tem uma boa reforma que este recebe.

agora, o que me irrita, é não haver um organismo que tire o homem dali e o ponha num lar decente com a reforma dele.

claro que o irmão, quando se lhe fala nisso diz logo que não, que vai pra casa dele!
Cristina disse…
rosalina

tens toda a razão, a assistencia cá fora não é a melhor e não ha um mecanismo de protecção eficaz destas pessoas.

as familias que se disponibilizam a tratar dos familiares deviam, de facto, ser mais apoiadas. mas sabes? acho que isso vai mudar um pouco, está-se ja a dar mais importancia aos cuidados continuados e pode ser que avance. o drama é que os centros de saude estão cheios de gente, os profissionais são poucos e não chegam a todo o lado..

agora, Rosalina, é óbvio que eu estou condicionada pela realidade que vivo. e amiga, vê-se cada coisa que não se acredita...
immortal disse…
a mim toca-me imenso...se calhar porque o privilégio de ser criada numa família, numa rua onde só havia pessoas de idade, era quase a única criança, a minha avô tinha tias já de idade, primas e algumas vizinhas...o mal desta rua é que já não há quase ninguém...o mal desta rua foi ver os filhos em disputa por escassos metros de terreno que cada senhora tinha, pelos troquinhos que amealhavam para dar aos filhos e aos netos...a minha avó ainda ontem falou numa tia...e de como a "obrigou" a meter luz em casa, comprar uma tv um frigorifico e mandar "cozer" o dinheiro que bem chegava para ela viver com conforto...o mal da rua foi também assistir à disputa dos filhos sobre quem devia tomar conta das mães e das enormes canseiras que isso ia provocar...
tenho tantas saudades dessas velhotas que tanto me ensinaram...há tempos despedi-me de uma com a bela idade de 102 anos...agora só resta a minha avó e as memórias dela e as minhas desse tempo
Cristina disse…
cs

que hei-de dizer se um dos casos sociais que la tenho agora é o pai de um bombeiro que ja disse que não leva o pai e que o mandem para uma rectaguarda?

não, não é questão de dinheiro. as pessoas que não têm dinheiro mas sentem alguma coisa pelos velhotes reconhecem-se à distância. participam na solução, preocupam-se. e sabes? também não é uma questão de estar em casa ou no lar. ha alguns em lares que não deixam de sentir que têm familia por causa disso. seria pior estarem fechados em casa sozinhos todo o dia, tipo cão...
não, nao é disso que se trata.
Eric Blair disse…
posso voltar a dizer merda?
Cristina disse…
podes, tens aí uma terceira possibilidade..:)
Anónimo disse…
É vergonhoso!
É ultrajante!
É indigno!
É cruel!
É desumano!
É...
Isabel Filipe disse…
é revoltante tudo o que dizes ...

embora como todos soubesse do abandono a que os idosos são sujeitos ... os pormenores que contas arrepiaram-me...


beijinhos
Cristina disse…
dalloway

é..tudo. tudo o que possa imaginar é verdade.
Cristina disse…
isabel

a mim também..:/
joshua disse…
«Hoje em dia, é nos crentes que certos princípios fundamentais para a nossa liberdade encontram a voz mais desassombrada. Por exemplo, a ideia da dignidade e da autonomia da pessoa como limite para experiências políticas e sociais. Numa cultura intoxicada pela hubris da ciência e das ideologias modernas, certas religiões conservaram, melhor do que outros sistemas, a consciência e o escrúpulo dos limites. O mesmo se poderia dizer da questão da verdade, que a ciência pós-moderna negou, sem se importar de reduzir o debate intelectual ao choque animalesco de subjectividades. Não, não é preciso fé para perceber que das religiões reveladas (e doutras tradições de iniciação espiritual) depende largamente a infra-estrutura de convicções e sentimentos que sustenta a nossa vida. O seu silenciamento no espaço público não seria um ganho, mas uma perda. No dia em que não pudermos ouvir Bento XVI, seremos
mais obscurantistas e menos livres. Obrigado aos "sábios" de Roma por nos terem dado ocasião para lembrar isto.»
Anónimo disse…
o pior é que é.
beijo
Anónimo disse…
Minha querida

e há quem os trate muito bem, apesar de lhes darem calmantes, porque conseguiram que a senhora de 90 anos lhes passasse uma procuração (só a 3 irmãos) e andam a vender tudo e dão aos outros, o que oficialmente fica na escritura.

Parece que andam a "dar" os bens.

Há de tudo, infelizmente.
Cecília disse…
Parabéns, Cristina!
Este texto já é uma contribuição para a mudança. Pequena? Sim, mas... e se não nos contasse nada, se ficasse indiferente a situações como esta?

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