O emblemático café A Brasileira do Chiado,
abriu as suas portas ao público em 19 de Novembro de 1905, vendendo o "genuíno café do Brasil", produto que na época era muito pouco apreciado ou mesmo evitado pelas donas de casa lisboetas.
Adriano Telles, fundador da Brasileira, vivera no Brasil e aí mantinha contactos que lhe permitiam importar o café sem grandes dificuldades, assim como outros produtos que comercializava no estabelecimento, como goiabada, tapioca, pimentinhas, chá e farinha, a par de uma grande selecção de vinhos e azeites. Para divulgar o café brasileiro, Adriano Telles começou a oferecer ao balcão da loja uma chávena do aromático líquido a todos os clientes, bem como uma pequena brochura que ensinava a preparar a bebida. A par desta iniciativa era impresso um pequeno jornal publicitário, distribuído gratuitamente, onde para além de pequenos fait-divers se anunciavam os produtos da Brasileira e de outras lojas do Chiado. A novidade agradou e cada vez Adriano Telles vendia mais quantidade de café, que na altura custava 720 réis cada quilo. O sucesso começou a ser tão grande que, três anos depois, em 1908, o empresário avançou para a construção de uma Sala de Café, uma novidade na época. Os lisboetas deslumbraram-se com o luxo e a inovação do novo estabelecimento, que em breve se tornou ponto obrigatório da elite da cidade. Trabalhadores e estudantes da Biblioteca Nacional, da Faculdade de Letras e da Escola de Belas-Artes, frequentadores do Teatro São Carlos, advogados, médicos, jornalistas, revolucionários, escritores, poetas, pintores, todos ali se juntavam para beber café e, principalmente, conversar.
A Brasileira, a partir de 1920, tornou-se o maior centro de cavaqueira do país, de tal modo que, por despeito ou não, dizia-se na altura que no Porto e em Coimbra se trabalhava e estudava e que em Lisboa se conversava e se faziam revoluções. De acordo com os relatos da época, todos ali se reuniam. Os restos da Carbonária à volta de uma mesa, os integralistas à volta de outra, os artistas como Fernando Pessoa, Almada Negreiros, José Pacheco ou Santa Rita Pintor à volta de outra.
Onde nasceu a "bica" Sempre atento às necessidades da clientela que fidelizara, Adriano Telles voltou a fazer obras de remodelação, em 1923, tentando adaptar a decoração do café aos "tempos modernos" e acatando novos conceitos estéticos, considerados muito arrojados para a época, como decorar as paredes com obras de artistas que frequentavam a casa, como Almada Negreiros, Eduardo Viana, Bernardo Marques e Stuart Carvalhais. Também ali nasceu o termo "a bica", que hoje em quase todo o país significa uma chávena de café. Conta-se que um dia alguns clientes reclamaram da qualidade do café, tendo o proprietário mandado um dos empregados tirar o líquido directamente da bica, ou seja, do saco, sendo o seu sabor e aroma mais intensos. Isto porque na altura o café era servido numa cafeteira e despejado na chávena à mesa. Entretanto a depressão económica dos anos de 1930 também se fez sentir na Brasileira, levando a uma queda muito significativa da procura do café. Seguiram-se os anos difíceis das décadas de 50 e 60, quando a sobre produção se revelou ruinosa para os produtores da América latina e, em particular, para os brasileiros, de onde o estabelecimento importava a matéria prima.
Jaime Soares da Silva contacta com a situação da Brasileira através de um irmão que possuía uma quota na sociedade que adquirira o café no início dos anos 60. O estabelecimento encontrava-se com graves problemas resultantes da dificuldade em obter café - após a ruína de muitos produtores em consequência da quebra dos preços provocada pelo excesso de produção. Nem a renovação artística verificada no espaço, com a substituição dos quadros existentes por obras de Manuel Baptista, Hogan, Azevedo, Vespeira, Eduardo Nery, João Vieira, Palolo e Noronha da Costa, pareciam capazes de ultrapassar a crise. Acabando por se tornar o único sócio da empresa, em 1971, Jaime Soares da Silva recorreu às suas ligações a Angola para conseguir adquirir café em quantidade, numa época em que a protecção de preços ditava, a nível mundial, a restrição das importações. Assim, a Brasileira deixou definitivamente de utilizar café proveniente de Minas Gerais, no Brasil e passou a consumir café do Zaire. Jaime Soares da Silva faleceu em 2001, com 72 anos, mantendo-se a Brasileira nas mãos dos herdeiros, que afirmam ser sua intenção preservar a imagem emblemática do café, hoje enriquecida com a estátua em bronze do poeta Fernando Pessoa sentado na esplanada a beber café, da autoria do mestre Lagoa Henriques.
Guia do Lazer, Público.
"... foram-me encaminhando para a Brasileira do Chiado. E assim fui criando o hábito e me fui deslumbrando, de mesa em mesa, em frente de nomes notáveis da nossa cultura." Almada Negreiros
"Quero beber todos os delírios e todas as loucuras, mais profundamente que qualquer Deus! Põe-te daqui para fora, policiamento familiar da alma dos fortes: eu quero ser como um raio para vós! Violência sincopada de todos os “boxeurs”! Brasileira do Chiado em dias de porre de absinto. Arcabouço de todas as náuseas da vida levada em carícias de Infinito. Tudo dói na tua alma, Nando, tudo te penetra, e eu sinto contigo o íntimo tédiode tudo.
"Trecho do livro Um estrangeiro na legião, de Roberto Piva-Ode a Fernando Pessoa.
Comentários
De regresso, mas devagarinho...
Beijosssssss