A música, como música, é intragável.
Mas, que a letra teve o seu impacto, teve. Vejam só o que escreveu Rui Pelejão Marques no A.23 sobre essa comoção generalizada...
Eu acrescentaria só que, esta geração das lamentações e das acusações, é também uma geração lixada pela falta de preparação para a resistência à frustração e completamente incapaz de enfrentar contrariedade focando-se num objectivo a longo prazo que os possa fazer felizes. É uma ideia que a maioria não concebe.
Talvez essas gerações bem instaladas na gamela dos direitos adquiridos, como descreve Rui Marques, e se calhar por isso mesmo, por se terem instalado em tempo de vacas gosdas, por as coisas lhes terem sido fáceis, não tenha sabido transmitir aos filhos que não basta fazer uma licenciatura qualquer, e em muitos casos é mesmo isto, faz-se a merda mais fácil a que as médias de 11 dêem acesso, que investir num projecto de vida é infinitamente mais do que isso. É, em muitos dos casos, malta que fez um curso que não faz ideia em que é que quer usar, mas que sabe bem o que quer: uma boa casa, um bom carro, vários telemóveis, um plasma, um Mac, ou vários, boa roupa, dinheiro para frequentar as discotecas mais in, e por aí fora porque sem isso ficam deprimidos e angustiados em casa dos paizinhos á espera que lhes caia em cima "uma vida decente". Porque, como também diz o Rui, os empregos que a geração lixada pretende ter acesso por decreto não são propriamente de cantoneiro, padeiro ou portageiro.
Disto também se podem queixar.
.
Por este dias não há colunista, comentador, analista, calista, ou industrial da panificação que não cite copiosamente a música dos Deolinda, que faz o retrato amargo da geração Nem Nem, dos 500 euros ou, se quisermos, a geração lixada.
Em geral, todos estes cronistas pop-de-sociedade são da geração açambarcadora, a que alegadamente espoliou as oportunidades dos jovens e os remeteu ao beco sem esperança, mas todos moralizam e escrevem como se não tivessem o bedelho no calduço.
Estes novos e improváveis ouvintes do Deolinda comovem-se até ao carpido de crocodilo com esta singela letra “Sou da geração sem remuneração/e não me incomoda esta condição./ Que parva que eu sou/Porque isto está mal e vai continuar,/já é uma sorte eu poder estagiar./Que parva que eu sou!/E fico a pensar,/que mundo tão parvo/onde para ser escravo é preciso estudar”. Ora, se esta é a música de intervenção desta geração, acho que se calhar esta geração tem o que merece (felizmente não é).
Esta é a música que tempera o sentimento de culpa das gerações bem instaladas na gamela dos direitos adquiridos. Os mesmos que, quando eram novos, escutaram e conspiraram por um mundo melhor ao som do José Mário Branco e do Zeca Afonso, e que passaram o resto da vida a trair as canções da sua juventude.
A pueril letra dos Deolinda é o pouco que eles conhecem da geração sobre quem escrevem com aquela sabichice insuportável da senilidade precoce. Eles não sabem nada, mas mesmo nada sobre a geração que agora lamentam nos seus editoriais lamechas. Quando muito conhecem os filhos e os amigos dos filhos, e como falamos de uma casta relativamente privilegiada e bem relacionada, o mais provável é os seus filhos até se estarem a safar, graças a um empurrãozinho, uma palavrinha ao amigo, um favorzinho inocente.
Se há uma geração lixada, a maior parte destes articulistas chorosos contribuiu para a lixar. Perguntem lá ao José Manuel Fernandes, se quando era director do “Público” alguma vez se preocupou com a distribuição equitativa da massa salarial? Se alguma vez se opôs a estágios não remunerados, ou a inacreditáveis fossos salariais na redacção? E, quando falo do José Manuel Fernandes, falo de todos os outros directores, directores-adjuntos, editores ou políticos de lágrima fácil que por este dias andam a lamentar o destino trágico da geração lixada. Alguma vez algum deles abdicou dos seus direitos adquiridos? Dos seus salários principescos (quando comparados com a base da pirâmide salarial)? E mais. Quantas vezes vêm anúncios e processos de recrutamento para meios de comunicação social?
É que os “lugares” que vão havendo, vão sendo traficados, negociados entre amigos, “afilhados” ou mesmo filhos. Se fizerem a árvore genealógica do jornalismo português vão perceber o que nepotismo e a consanguinidade não são fenómenos só imputáveis ao PS e ao caciquismo das empresas públicas e das autarquias. A maior parte do que se escreve nos jornais sobre ética, mérito e justiça no mercado de trabalho é apenas simples e crua hipocrisia.
É natural que este tipo de hipocrisia (ainda que cega, acredito) se identifique com a letra dos Deolinda, porque nunca na vida vão entender que esta letra também está a falar deles. Por isso espero que a geração lixada saiba escolher os seus arautos e fazer o seu caminho e a sua luta sem se deixar enganar pelas lágrimas de crocodilo.
A voz da geração lixada não é a dos Josés Manuéis Fernandes, dos inacreditáveis Cavacos (o coveiro a falar aos mortos) e nem sequer dos Deolindas do mundo. É a sua própria. O melhor e mais cru retrato que li da geração lixada é o livro “Operador de Call Center” de um jovem autor chamado Hugo Pereira uma viagem bukowskiana ao quotidiano de um operador de call center que mantém a ácida lucidez do sonho com a realização de curtas metragens.
Ironicamente, o mais poderoso retrato que eu vi desta geração enjaulada não encontrou editora capaz e minimamente atenta. Teve de imprimir o livro em Espanha e vendeu algumas dezenas a amigos e familiares. É o trágico destino do génio. Talvez se fosse jornalista ou médium tivesse melhor sorte…
É que reduzir esta geração à dialéctica meterialista que nos move ou à cultura programada, oficial e comercial é desconhecer o imenso mundo de criatividade e energia que pulsa na geração lixada. É simplesmente não os conhecer.
Eu que pertenço à geração rasca do Vicente Jorge Silva, e que cá nos vamos desenrascando com um quinhão dos “direitos adquiridos” também não dou para o peditório do coitadismo da geração lixada.
Compreendo que a crise económica, o desemprego, os recibos verdes, a falta de proteção social e a eternização na casa dos pais são a dura realidade. Mas essa realidade não admite o conformismo ou a histeria, por exemplo, dessa eminência parava de serviço ao liberalismo betucho chamado Henrique Raposo e os seus queixumes dondocas de bem instalado na coluna normalmente bem remunerada do “Expresso”.
Esse rapaz está longe de ser um bom arauto para vocês, caros camaradas da geração lixada. É mais um intrujão. Porque se entramos na lógica do confronto de gerações, de espoliados e espoliadores, estamos bem mal. Esses jovens liberais de pacotilha acreditam que o problema está nos “direitos adquiridos” pelos trabalhadores, que se alapam aos postos de trabalho que deviam estar destinados por direito divino aos jovens que saem da faculdade. Portanto, a solução seria desalojar os “velhos” dos seus trabalhos e regalias, para os poder passar a uma geração mais preparada e bem formada, e disponível para ser remunerada de forma mais competitiva… para as empresas.
Ora, a formação universitária pode conferir legítimas expectativas, mas não dá um direito divino ao emprego, pelo menos aos bons empregos, sobretudo quando não os há, ou há poucos. Alguém se parece esquecer que o mercado de trabalho português não é propriamente o alemão, e que os empregos que a geração lixada pretende ter acesso por decreto não são propriamente de cantoneiro, padeiro ou portageiro.
O que a histeria dos Raposões do mundo defende é uma permanente competição pelos “bons empregos”, como se fosse líquido que um qualquer recém-licenciado fizesse melhor o meu trabalho. Uma fotógrafa amiga um dia disse-me que um cliente ficou espantado com a rapidez com que ela fez uma sessão. – Só demorou uma hora?, perguntou ele – Não, demorei vinte anos e uma hora – respondeu ela.
Se entrarmos numa lógica de confronto geracional no mercado de trabalho vamos todos sair a perder a curto prazo e as empresas também (a médio prazo). Desproteger o trabalho não é um bom negócio para ninguém, porque daqui a algum tempo não estaríamos a discutir os problemas dos recém-licenciados, mas sim a falência e miséria dos velhos licenciados. Se encararmos este grave problema social com preconceitos de classe, casta, ideológicos ou mesmo de geração, estaremos a atear o rastilho de um barril de pólvora.
Temos todos de encontrar a melhor forma de sermos uma sociedade solidária e mobilizada para o bem comum, uma sociedade de valores, de mérito, de cooperação (melhor que competição), e se para isso for preciso abdicar de alguns “direitos adquiridos”, que aliás pago ao Estado (e não é pouco) seja. Eu estou disposto a fazê-lo.
Mas só cedo esses “direitos adquiridos” (um ordenado, seguro de saúde e direito de indemnização caso seja despedido), a troco da inovação, da iniciativa e da solidariedade social. Não os dou de barato a um jovem recém-licenciado que acomoda a peidola ao sofá dos pais, ao carro em segunda mão, aos copos no Bairro Alto, às tertúlias da lamentação, ao conformismo e à espera eterna de um emprego compatível com a sua condição. Querem uma vida melhor? Lutar por ela também ajuda.
Pelo menos, ajuda mais do que aplaudir os artigos de José Manuel Fernandes ou as músicas da Deolinda.
É que uma parte da geração lixada também é uma geração acomodada que vai azedando. E azedar é acabar com o sonho, o deles, e o nosso, num país mais justo e mais feliz.
Disto também se podem queixar.
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Por este dias não há colunista, comentador, analista, calista, ou industrial da panificação que não cite copiosamente a música dos Deolinda, que faz o retrato amargo da geração Nem Nem, dos 500 euros ou, se quisermos, a geração lixada.
Em geral, todos estes cronistas pop-de-sociedade são da geração açambarcadora, a que alegadamente espoliou as oportunidades dos jovens e os remeteu ao beco sem esperança, mas todos moralizam e escrevem como se não tivessem o bedelho no calduço.
Estes novos e improváveis ouvintes do Deolinda comovem-se até ao carpido de crocodilo com esta singela letra “Sou da geração sem remuneração/e não me incomoda esta condição./ Que parva que eu sou/Porque isto está mal e vai continuar,/já é uma sorte eu poder estagiar./Que parva que eu sou!/E fico a pensar,/que mundo tão parvo/onde para ser escravo é preciso estudar”. Ora, se esta é a música de intervenção desta geração, acho que se calhar esta geração tem o que merece (felizmente não é).
Esta é a música que tempera o sentimento de culpa das gerações bem instaladas na gamela dos direitos adquiridos. Os mesmos que, quando eram novos, escutaram e conspiraram por um mundo melhor ao som do José Mário Branco e do Zeca Afonso, e que passaram o resto da vida a trair as canções da sua juventude.
A pueril letra dos Deolinda é o pouco que eles conhecem da geração sobre quem escrevem com aquela sabichice insuportável da senilidade precoce. Eles não sabem nada, mas mesmo nada sobre a geração que agora lamentam nos seus editoriais lamechas. Quando muito conhecem os filhos e os amigos dos filhos, e como falamos de uma casta relativamente privilegiada e bem relacionada, o mais provável é os seus filhos até se estarem a safar, graças a um empurrãozinho, uma palavrinha ao amigo, um favorzinho inocente.
Se há uma geração lixada, a maior parte destes articulistas chorosos contribuiu para a lixar. Perguntem lá ao José Manuel Fernandes, se quando era director do “Público” alguma vez se preocupou com a distribuição equitativa da massa salarial? Se alguma vez se opôs a estágios não remunerados, ou a inacreditáveis fossos salariais na redacção? E, quando falo do José Manuel Fernandes, falo de todos os outros directores, directores-adjuntos, editores ou políticos de lágrima fácil que por este dias andam a lamentar o destino trágico da geração lixada. Alguma vez algum deles abdicou dos seus direitos adquiridos? Dos seus salários principescos (quando comparados com a base da pirâmide salarial)? E mais. Quantas vezes vêm anúncios e processos de recrutamento para meios de comunicação social?
É que os “lugares” que vão havendo, vão sendo traficados, negociados entre amigos, “afilhados” ou mesmo filhos. Se fizerem a árvore genealógica do jornalismo português vão perceber o que nepotismo e a consanguinidade não são fenómenos só imputáveis ao PS e ao caciquismo das empresas públicas e das autarquias. A maior parte do que se escreve nos jornais sobre ética, mérito e justiça no mercado de trabalho é apenas simples e crua hipocrisia.
É natural que este tipo de hipocrisia (ainda que cega, acredito) se identifique com a letra dos Deolinda, porque nunca na vida vão entender que esta letra também está a falar deles. Por isso espero que a geração lixada saiba escolher os seus arautos e fazer o seu caminho e a sua luta sem se deixar enganar pelas lágrimas de crocodilo.
A voz da geração lixada não é a dos Josés Manuéis Fernandes, dos inacreditáveis Cavacos (o coveiro a falar aos mortos) e nem sequer dos Deolindas do mundo. É a sua própria. O melhor e mais cru retrato que li da geração lixada é o livro “Operador de Call Center” de um jovem autor chamado Hugo Pereira uma viagem bukowskiana ao quotidiano de um operador de call center que mantém a ácida lucidez do sonho com a realização de curtas metragens.
Ironicamente, o mais poderoso retrato que eu vi desta geração enjaulada não encontrou editora capaz e minimamente atenta. Teve de imprimir o livro em Espanha e vendeu algumas dezenas a amigos e familiares. É o trágico destino do génio. Talvez se fosse jornalista ou médium tivesse melhor sorte…
É que reduzir esta geração à dialéctica meterialista que nos move ou à cultura programada, oficial e comercial é desconhecer o imenso mundo de criatividade e energia que pulsa na geração lixada. É simplesmente não os conhecer.
Eu que pertenço à geração rasca do Vicente Jorge Silva, e que cá nos vamos desenrascando com um quinhão dos “direitos adquiridos” também não dou para o peditório do coitadismo da geração lixada.
Compreendo que a crise económica, o desemprego, os recibos verdes, a falta de proteção social e a eternização na casa dos pais são a dura realidade. Mas essa realidade não admite o conformismo ou a histeria, por exemplo, dessa eminência parava de serviço ao liberalismo betucho chamado Henrique Raposo e os seus queixumes dondocas de bem instalado na coluna normalmente bem remunerada do “Expresso”.
Esse rapaz está longe de ser um bom arauto para vocês, caros camaradas da geração lixada. É mais um intrujão. Porque se entramos na lógica do confronto de gerações, de espoliados e espoliadores, estamos bem mal. Esses jovens liberais de pacotilha acreditam que o problema está nos “direitos adquiridos” pelos trabalhadores, que se alapam aos postos de trabalho que deviam estar destinados por direito divino aos jovens que saem da faculdade. Portanto, a solução seria desalojar os “velhos” dos seus trabalhos e regalias, para os poder passar a uma geração mais preparada e bem formada, e disponível para ser remunerada de forma mais competitiva… para as empresas.
Ora, a formação universitária pode conferir legítimas expectativas, mas não dá um direito divino ao emprego, pelo menos aos bons empregos, sobretudo quando não os há, ou há poucos. Alguém se parece esquecer que o mercado de trabalho português não é propriamente o alemão, e que os empregos que a geração lixada pretende ter acesso por decreto não são propriamente de cantoneiro, padeiro ou portageiro.
O que a histeria dos Raposões do mundo defende é uma permanente competição pelos “bons empregos”, como se fosse líquido que um qualquer recém-licenciado fizesse melhor o meu trabalho. Uma fotógrafa amiga um dia disse-me que um cliente ficou espantado com a rapidez com que ela fez uma sessão. – Só demorou uma hora?, perguntou ele – Não, demorei vinte anos e uma hora – respondeu ela.
Se entrarmos numa lógica de confronto geracional no mercado de trabalho vamos todos sair a perder a curto prazo e as empresas também (a médio prazo). Desproteger o trabalho não é um bom negócio para ninguém, porque daqui a algum tempo não estaríamos a discutir os problemas dos recém-licenciados, mas sim a falência e miséria dos velhos licenciados. Se encararmos este grave problema social com preconceitos de classe, casta, ideológicos ou mesmo de geração, estaremos a atear o rastilho de um barril de pólvora.
Temos todos de encontrar a melhor forma de sermos uma sociedade solidária e mobilizada para o bem comum, uma sociedade de valores, de mérito, de cooperação (melhor que competição), e se para isso for preciso abdicar de alguns “direitos adquiridos”, que aliás pago ao Estado (e não é pouco) seja. Eu estou disposto a fazê-lo.
Mas só cedo esses “direitos adquiridos” (um ordenado, seguro de saúde e direito de indemnização caso seja despedido), a troco da inovação, da iniciativa e da solidariedade social. Não os dou de barato a um jovem recém-licenciado que acomoda a peidola ao sofá dos pais, ao carro em segunda mão, aos copos no Bairro Alto, às tertúlias da lamentação, ao conformismo e à espera eterna de um emprego compatível com a sua condição. Querem uma vida melhor? Lutar por ela também ajuda.
Pelo menos, ajuda mais do que aplaudir os artigos de José Manuel Fernandes ou as músicas da Deolinda.
É que uma parte da geração lixada também é uma geração acomodada que vai azedando. E azedar é acabar com o sonho, o deles, e o nosso, num país mais justo e mais feliz.
Comentários
Já´agora uma notazinha, quando escrevia esta verborreia a musica do teu blog dava qual quer coisa de j t´aime....nesse tempo parece que não podia dar na rádio era um atentado aos bons costumes, pois a minha trupe dançavanuzinho.
intruso
Valeu a Pena ler o Rui Pejão e valeu a pena ler a Sara