28 Maio 1917


O Parlamento britânico aprova o projeto de lei que concede o voto às mulheres do Reino Unido. Contudo, o voto só era permitido àquelas que fossem maiores de 30 anos e que sustentassem a família....
E em Portugal? .

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O voto depositado nas urnas para as eleições da Assembleia Constituinte, em 1911, pela médica Carolina Beatriz Ângelo, constitui um episódio deveras ilustrativo da situação paradoxal das mulheres em Portugal. Naquela altura o direito de voto era reconhecido apenas a cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família. Invocando a sua qualidade de chefe de família, uma vez que era viúva e mãe, Carolina Beatriz Ângelo conseguiu que um tribunal lhe reconhecesse o direito a votar na base do sentido abrangente do plural masculino da expressão ‘cidadãos portugueses’ que se refere, a um tempo, a homens e a mulheres. Para evitar este terrível precedente se repetisse, a lei foi alterada no ano seguinte, com a especificação de que apenas os chefes de família do sexo masculino poderiam votar.
Carolina Beatriz Ângelo foi assim a primeira mulher a votar no quadro dos doze países europeus que vieram a constituir a União Europeia (UE),embora vivesse num país em que o sufrágio universal só seria instituído passados mais de sessenta anos, ou seja, depois do 25 de Abril de 1974.
Apesar da sua fraca mobilização política, as mulheres portuguesas vivem num país dotado de um quadro jurídico-constitucional assente no pressuposto da igualdade entre mulheres e homens, considerado como um dos mais avançados, depois de, quase de um dia para o outro, ter sido eliminada uma ordem jurídica que presumia e defendia a sua subordinação à norma masculina, impondo-lhes, por exemplo, a obrigação do serviço doméstico. Entre 1974 e 1979, período da instauração e consolidação da democracia portuguesa, as mulheres viram alterar-se a sua condição social em numerosos domínios, como por exemplo, (i) ser-lhes aberto o acesso a todas as carreiras profissionais; (ii) ser-lhes alargado o direito ao voto; (iii) ser retirado aos maridos os direitos de lhes violar a correspondência e não autorizar a sua saída do país; (iv) ser alargada a licença de maternidade para 90 dias; (v) ser reconhecida constitucionalmente a igualdade entre homens e mulheres em todas as áreas; (vi) ser aprovado um novo Código Civil em que desaparece a figura de "chefe de família". Isto sem que se tivessem registado movimentações consistentes em defesa destas "conquistas".
(...)
De um modo geral, reconhece-se que em Portugal existe um desfasamento decorrente "do facto, digamos, de a lei se ter antecipado antes de nós nos termos emancipado" . O processo pelo qual esta igualdade entre sexos foi instituída em Portugal marca a nossa sociedade de modo muito paradoxal. A sociedade portuguesa surge como uma série de imagens caleidoscópicas que variam consoante a luz que sobre ela fazemos incidir. Quando a olhamos de um certo prisma, que não se deixe ofuscar pela presença das progressões-alibi a igualdade perante a lei aparece como uma peneira destinada a velar um quotidiano feito de profundas discriminações, quer directas, quer indirectas. (...)A igualdade jurídica em vigor numa sociedade com carências económicas e de estruturas sociais dificilmente é correspondida ao nível das práticas sociais. Não basta adoptar um modelo de cidadania universalista, é necessário criar as condições para o seu exercício, sob risco de os efeitos objectivos perverterem os efeitos desejados e se ampliarem as desigualdades.
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É, é dificil usufruir de plenos direitos quando a sociedade -falo de apoios e mentalidades- ainda não garante as condições necessárias para que a mulher os goze em plenitude. Quando, e concordo com a tese da autora, a revolução não parte, ou pelo menos não é acompanhada, pela base, pela aceitação da igualdade, será que a figura da mulher moderna, igual, emancipada existe? Diz-se que a democracia é feita de liberdade e de escolhas...será que a cidadã comum se libertou, conquistou, ou simplesmente acumulou?

Comentários

Animal disse…
"(i) ser-lhes aberto o acesso a todas as carreiras profissionais"... parece que vocês, gajas, ainda num podem ser padres. resta-nos esse reduto inexpugnável de virilidade, hehehehe!
cs disse…
tirando aquele caso pontual em que para "laqueação de trompas de F" é necessário ou era até há muito pouco tempo, autorização do marido tá tudo correcto. Marido = chefe de família.

Claro que, se a Revolução não é Cultural as mudanças são sempre tão devagar, porque não se mudam mentalidades por decreto.

Não me ofende que as coisas vão mudando . Roma e Pavia não se fizeram num dia.

Desde que vão mudando, não é?

Bom tema este. Bjos e boa semana
cs disse…
esqueci de dizer uma coisa. Bom tema para o dia 28 de Maio.
ai... se o Salazar cá voltasse....cruzes(bata 3 vezes na madeira)


Ui, disse baixinho, acho que ninguém ouviu

:))
Pêndulo disse…
Ainda resta no Código Civil a expressão e no Código do Processo Civil a expressão "bom pai de família". Repare-se neste excerto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2004.

V- A ré Federação Portuguesa de Futebol, aquando da realização da Final da Taça de Portugal de 1996, ao não impor a adopção de um sistema de controlo individual das entradas eficaz que permitisse a detecção de material perigoso, como os “very light”; nem impor a existência de um sistema de controlo por câmaras de vídeo que permitisse a imediata detecção e expulsão de indivíduos com condutas perigosas, não actuou com a diligência exigível e que veio a adoptar em 1997, à qual uma entidade com as suas responsabilidades na segurança dos eventos, se julgaria obrigada, até em face das situações que internacionalmente se têm vivido.
VI – Por não ter actuado com a diligência a que uma pessoa razoável e ordenada (o bom pai de família) se julgaria obrigada, tal violação, é também culposa.
Anónimo disse…
Cris,

Em relação à efeméride de 1917, podemos também abordar a situação de milhões de mulheres trucidadas às mãos do estalinismo, que é uma coisa de esquerda, penso eu...

Mas estas coisas, em Portugal, estão mesmo branqueadas, ou é somente falta de cultura política?
Anónimo disse…
As mulheres da minha geração e e umas duas, uma e meia, depois de mim (partindo do princípio teórico que cada 10 anos é uma nova geração) acumularam.
A dos meus filhos, já se começou a libertar, não todas, mas já começaram.
Cristina disse…
125

:) olá, é...conquistas...

beijinhos
Cristina disse…
cs

bom, esse caso não será bem por ser o marido mas por ser uma decisão conjunta do casal...

mas na verdade, não sei se o mesmo se faz com a vasectomia...:/

um beijo
Cristina disse…
Pêndulo

será que a expressão "boa mãe de família" também se usaria em caso semelhante?

um beijo
Cristina disse…
batuta


que diabo de obsessão que tens com "temas de esquerda" e "temas de direita" arre...eu estou a branquear o estalinismo?? isso já é patológico, ó meu amigo!...lol
Cristina disse…
marta

sim, podemos dizer que já se começam a libertar. mas com uma carga de culpa ainda enorme, acho.

porque a sua função social ainda continua a de ser a principal responsável pelos filhos, pela casa, por tudo o que fazia antes. e quando delega, essa culpa vem de fora,ainda que algumas vezes camuflada(outras não), mas vem ainda de dentro, a maioria das vezes.

um beijo
Anónimo disse…
Estar a comentar este post ao som de Lenine não é fácil!

Acho a sua pergunta uma excelente e pertinente pergunta:
"...será que a cidadã comum se libertou, conquistou, ou simplesmente acumulou?"

É dos tais assuntos que nos puxam pela lingua porque há tantas relações que se podem fazer para responder à sua pergunta.

Acho que a mulher comum se libertou, conquistou, acumulou e mesmo que sejam minimos estes feitos conseguidos pelas mulheres depois do pontapé de saída das sufragistas, aquilo que nos apercebemos é que é mais aquilo que as mulheres acumularam do que propriamente conquistaram, porque se tivessem conquistado verdadeiramente, não estariamos a falar sobre este assunto desta forma.

Parece que continuamos numa letargia que nos entorpece a vontade. Dá trabalho enfrentar as oscilações constantes das mentalidades e das modas.
Continuamos a carregar o estigma do direito à igualdade e parece que fazemos as coisas com receio! (vezes há que esse receio é legitimo)
Acrescento que não sou feministas. Sou mulher, ponto.

Quando se fala sobre isto tenho sempre a sensação que temos uma porta à nossa frente mas ela não tem maçaneta!

A Cristina lembra-se de uma música cantada por Elis Regina (e não só) chamada "Como os nossos pais".
Em suma acho que se encontra muita verdade nessa música!

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